ESCRITORES

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Elomar Figueira Mello, um inovador de linguagens: Sertano e Sertanílias

[...] É como uma legítima expressão de inconformidade, por exemplo, que enxergo o singular livro Sertanílias, lançado em 2008, e definido pelo autor com sendo um romance de cavalaria. 
Ao ler este livro pela primeira vez, senti novamente o mesmo estranhamento experimentado ao ouvir, há tantos anos, o disco Das barrancas do Rio Gavião. Era a surpresa de me deparar com algo diferente de tudo que já tinha conhecido antes, algo completamente fora dos padrões vigentes. Em uma segunda leitura atenta, entretanto, vi admirado se abrir o portal mágico de acesso ao reino onde habitam os personagens elomarianos, lá na região que ele denomina de Sertão Profundo. Lá na perigosa travessia da Vage dos Trumento, na altura do Laço dos Môra, no território da Quadrada das Águas...
Elomar, ao publicar Sertanílias, repetia trinta anos depois o gesto do conterrâneo Glauber Rocha. O famoso cineasta baiano, já dono de uma das mais importantes obras autorais do cinema mundial, resolve enveredar pelos domínios da literatura e lança em 1978 o polêmico livro Riverão Sussuarana. Esses livros são ambos romances de dificílima compreensão, caso o leitor insista em ignorar as chaves que abrem as portas da interpretação deles.
O segredo, porém, é simples.
Os dois livros são narrativas oníricas, e é assim que devem ser lidos. O método de interpretação deve ser o mesmo empregado para compreensão dos nossos sonhos e dos nossos pesadelos...
É assim, através desse trabalho exegético, que descobrimos que a literatura é também importante processo de conhecimento. Através dela, enquanto expressão de determinado ambiente, podemos chegar a uma interpretação da realidade, obtendo relevante forma de conquista de elevada consciência humana e social.
Nesse sentido, tentando interpretar os sonhos e os pesadelos traduzidos na obra de Elomar, percebemos que ela é legítima expressão das qualidades características das formações pastoris, existentes espalhadas pelo mundo inteiro. Como artista dotado de profunda e original criatividade, muito bom naquilo que faz, ele é dono de um estilo único e inconfundível. Consegue, então, com seu talento genial, converter seus fantasmas interiores em admiráveis e prodigiosos mitos oníricos.
Expressão resultante da formação pastoril do sertão nordestino, assim como os equivalentes fenômenos sociais do fanatismo religioso, do cangaço e da emigração, Sertanílias e seus mitos oníricos constituem também uma evidente manifestação da inconformidade sertaneja.
A obra, dessa forma, é igualmente uma acentuada demonstração de resistência.
A insubmissão que resulta da resistência reforça a nossa identidade cultural. Aprendemos que somos brasileiros do sertão. Compreendemos que somos herdeiros de uma das mais antigas e belas tradições do nosso país. O esforço para compreender essa herança cultural legada pelos nossos antepassados muitas vezes exige estudo profundo e grande erudição, fato que tem no próprio Elomar um exemplo completo.
Por outro lado, ao valorizarmos nossa identidade cultural, em um mundo cada vez mais padronizado e uniforme, afirmamos assim a nossa subjetividade. Essa atitude, por si só, constitui uma recusa à massificação alienante e uma defesa cidadã do indivíduo enquanto pessoa humana diferenciada. Trata-se, dessa forma, sem qualquer dúvida, de um inequívoco ato libertário.
Essas são algumas lições que trazemos do sonho literário para a realidade da vida.
Mas a busca é infinda, não termina nunca.



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