ESCRITORES

ESCRITORES

O amor é sexualmente transmissível - Marçal Aquino

Marçal Aquino, um dos grandes nomes da nova literatura brasileira, tem produzido ao longo dos últimos 25 anos algumas das obras mais significativas tanto da literatura quanto da chamada retomada do cinema nacional. Publicou, entre outros livros, os volumes de contos, O amor e outros objetos pontiagudos [1999], Faroestes [2001] e Famílias terrivelmente felizes [2003], além das novelas O invasor [2002] e Cabeça a prêmio [2003]. Atuou como roteirista dos filmes Os matadores, Ação entre amigos, O invasor, Nina, Crime delicado e O Cheiro do Ralo.
Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios é uma vertiginosa e acidentada história de amor, ainda mais espantosa porque nascida num ambiente hostil a qualquer manifestação de delicadeza. Mesmo cercada por episódios de loucura e brutalidade, a sedução emerge como o mais arriscado dos jogos. Entregar-se a seus caprichos e normas, tão rígidos quanto os que regem a vida do submundo, pode ser a prova mais difícil da vida de um homem. Aquela que, nas palavras do próprio Cauby, acaba definindo a sua sorte: "Quero saber quantos tiveram a coragem de ir até lá. De encontro ao fim. Eu tive".


Uma vela para Dario - Análise profunda da miséria humana na criação literária de Dalton Trevisan

A solidão pela ausência de solidariedade é o tema central do conto Uma vela para Dario. Estar sofrendo um momento de extrema dificuldade, precisando de amparo, ajuda e, ao invés de recebê-la, ser ainda destituído de seus pertences e da própria dignidade nos faz refletir sobre o fato se devemos ou não nos preocupar com pessoas desconhecidas, ao serem encontradas nas ruas, em situação de perigo, precisando de ajuda: “A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo. Um grupo o arrasta para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem pagará a corrida? Concordam chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado à parede – não tem os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.” O espaço é o elemento da narrativa mais explorado neste conto. É nele que se desenvolve todo o enredo. É através dele que percebemos o quanto foi dramático o sofrimento da personagem Dario: a rua é um espaço aberto, destituído de qualquer conforto, áspero, sujo, deprimente, que expõe a pessoa a todos os olhares e comentários e também às intempéries da natureza como o vento, a chuva: “É largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobrem o rosto, sem que faça um gesto para espantá-las”. Para Dalton Trevisan, o espaço mais significativo é a cidade de Curitiba. Em grande parte de seus contos, Curitiba aparece citada através de nomes de ruas, bairros, monumentos, pontos de referência. A sua Curitiba é um local com problemas, degradado, mas que assim mesmo acolhe seus moradores. Neste conto não há referência à cidade de Curitiba, mas percebe-se que se trata de um grande centro urbano, onde as pessoas não têm muito conhecimento umas com as outras: “Ocupado o café próximo pelas pessoas que apreciam o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozam as delícias da noite”  “Registra-se a correria de uns duzentos curiosos que, a essa hora, ocupam toda a rua e as calçadas: é a polícia”.Dalton mostra o lado cruel da cidade para com os “estrangeiros”, aqueles que não pertencem à comunidade, que estão de passagem. O único movimento solidário para com ele partiu de um menino negro, provavelmente outra vítima da exclusão social: “Um menino de cor e descalço vem com uma vela que acende ao lado do cadáver". "Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó. E o dedo sem a aliança. O toco de vela apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair".
Por Sônia Aparecida Bittencourt Morski, em:
[www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/476-4.pdf]



Pastinha - poeta, guardião e mestre da Capoeira Angola


A vida e os pensamentos do maior mestre da Capoeira Angola do Sec. XX, Mestre Pastinha. Filmado em Salvador, Rio de Janeiro e New York, contém entrevistas com Mestre João Grande, Mestre João Pequeno, Mestre Curió, Roberto Freire, Jorge Amado, Pierre Verger, entre outros. É uma rara oportunidade de se conhecer em profundidade os fundamentos da lendária Capoeira Angola e seu poeta e guardião, Pastinha, que defendeu uma Capoeira de paz e respeito aos seus praticantes, ao ritual, ao berimbau.

Mestre Pastinha foi o maior divulgador da capoeira angola. Praticamente viveu sua vida inteira pela capoeira. Implementou métodos de ensino, fundou a primeira academia de capoeira chamada de C.E.C.A, o Centro Esportivo de Capoeira Angola e foi convidado para ir até a África mostrar a nossa arte.



A vida de Mestre Pastinha, Rei da Capoeira Angola, é tema de documentário na TVE Bahia.




Ladeiras, vielas & farrapos - Tom Correia


Tom Correia

Salvador ubíqua e nua

O livro encerra um rico mosaico de narrativas muito bem construídas. Elas se conectam de forma sutil, com uma arte caprichosa: ligam-se umas às outras na profundeza de que emergem, sem perder sua independência, o acabamento que as distingue. Cada uma delas parece refletir a estrutura do conjunto móvel, como uma sinfonia de mestre, sem sacrifício da singularidade dos diferentes movimentos. A gente pode deter-se num dos picos dessa cadeia e estudar-lhe o panorama sem que a surpresa nos abandone nunca, pois a paisagem se expande e se modifica a nossos olhos, pronta e envolver-nos a cada avanço com suas curvas inesperadas, insinuantes.
Outra imagem me ocorre, talvez mais exata para falar dessa composição: ela me sugere um labirinto de espelhos que refletem e transformam um único personagem, fazendo-o, porém reconhecível de forma inequívoca nas sucessivas metamorfoses, através das muitas máscaras que lhe empresta. O personagem onipresente que se desnuda na superfície ocelada desse abismo é a Cidade do Salvador. Ela se expõe aqui num striptease desaforado e lírico, brutal, patético, com furor carnavalesco e escandalosa sinceridade.
O espetáculo é a um tempo cruel e fascinante, rico de uma fantasia que nada oculta, antes desmascara, Uma ironia feroz anima o jogo de alegorias criativas que descobrem seu objeto ao distanciá-lo em aparência. (Falo aqui de "alegoria" no sentido em que o conceito foi renovado por Walter Benjamin; evoco o variável de que se valeram autores com Kafka, Chesterton, Cortázar, Lezama Lima). Essas alegorias multiplicam a figura única, seguidamente transformada de forma reveladora, no ritmo de uma dialética inventiva, que não hesita em face do paradoxo.
O resultado é um desnudamento. Cá está a cidade que se esforçam por ocultar seus celebrantes oficiais, seus políticos, seus publicitários e tartufos, seus exploradores, seus gigolôs. No estranho palco apocalíptico de Tom Correia ela aparece com toda crueza, exibindo farrapos e chagas, miséria e graça que nada extinguem. Na dança trôpega de suas ladeiras infernais, nos espasmos de suas vielas sórdidas, mostra-se um brilho inesperado que uma escrita ágil captura. A essa luz crua, profética e viva, revela-se a esquecida, escondida, incontrolável Salvador: a metrópole negra, pobre, torturada, trágica, fantástica, desgraçada, cômica, luminosa, suja e desvairada, uma radiante, frenética prisioneira de seus fantasmas, sempre tentando evadir-se com alucinados esplendores e sempre recaindo em feroz vertigem.
[...]
A dureza com que esculpe o retrato cruel da cidade amada não impede que Tom Correia faça uso de outros tons, não inibe a variedade de recursos expressivos, por vezes manipulados polifonicamente no extremo oposto do seu espectro poético: não estanca, por exemplo, o frescor e a ternura de que sua linguagem também é capaz, nem tolhe seu bom manejo da paleta lírica, com bem mostram os contos "Rolimãs" e "Água Brusca". Poucos ficcionistas reúnem essas habilidades.
Falta-me aqui espaço para seguir explorando toda a riqueza do livro de Tom Correia. Encerro com uma alegre constatação: temos um escritor baiano perfeitamente capaz de ombrear com os maiores nomes da literatura brasileira contemporânea. Tomara que sua terra não demore a dar-lhe esse reconhecimento. 
Por Ordep Serra - Escritor e Antropólogo


Minha história: Tom Correia