A HORA DO CORPO?
Clarice Lispector falando do sexo com tamanha intimidade? Sim, inteiramente. O livro A Via Crucis do Corpo é um simulacro erótico narrativo. Publicado, originalmente, em 1974: são treze contos altamente intensos, verdadeiros e sistemáticos sensualmente. É um trabalho adverso e fora dos padrões do estilo "clariceano", sem dúvida. Os contos tem o objetivo de apresentar o corpo como objeto de desejo e também de necessidade de afetividade. Nas narrativas do livro, sexo e morte são aproximados, gerando crimes invariavelmente perdoados pela justiça oficial. Clarice passa a ser encarada, dessa forma, como uma personagem-escritora, uma escritora-personagem, uma autora ficcionalizada. O livro, ainda que mantenha um certo aspecto peculiar da autora, desnuda situações com maior objetividade. O sexo liberta o ser humano? O que se esconde dentro da mente, intimidade e desejos obscuros? Prostitutas, homossexuais, velhas e freiras ardentes ganham espaço nas páginas do livro, instiga o leitor a entrar em contato com um mundo marginal que, pela linguagem e perspectiva próprias de Clarice Lispector, são representados de modo concreto em relação ao sistema literário brasileiro. A obra é um apuro literário sobre a potência sexual, energia da libido e sexualidade a flor da pele - há, também, um forte apelo humorístico, dramático e apreço pela ironia desmedida. Este livro de contos nasceu a partir da encomenda de um editor que contou três histórias para Clarice, cujo assunto, como ela disse, "era perigoso". E ela completa: Se há indecências nas histórias a culpa não é minha. Nestes treze contos, mais do que revelar os desejos inconfessáveis do corpo, insinuam-se os delírios da alma crivada pelas experiências da velhice, da morte, do desejo carnal e dos momentos de fracasso. Aos duvidosos, vivenciem uma Lispector mais ousada, astuta e, não por menos, sensata sexualmente.
A paixão segundo G.H. é definitivamente a obra-prima de Clarice Lispector. É alma, coração e o misto pela contextualização da própria vida humana. O livro é o indizível que se permite ao dizível, eis o contraste. É a profundidade da alma que encontra a transcendência do espírito e carne. O enredo aparentemente banal: Uma mulher de identificação pelas iniciais G.H. relata com muito cuidado sua experiência íntima - no instante que entra no quarto, após ter demitido a empregada, decidida a limpar o ambiente, depara-se com uma barata no guarda-roupa. A narradora, muito aflita e enigmática, relata a perda de sua individualidade após esmagar o inseto. A catarse atinge o ápice: com repulsa, medo e angústia: G.H. decide provar, come a barata e, processualmente, avalia-se como perdida no concreto do mundo. Em aflição, acha que perdeu sua "montagem humana". Para retornar ao seu estado de um ser primitivo, selvagem - e, por isso, mais satisfeita - G.H. deve passar pela experiência de experimentar o gosto do inseto. Através da provação que concretiza a salvação! Com uma técnica bastante única, própria da autora, a narrativa se organiza em capítulos sequenciais e sistemáticos - cada um começa com a frase que serve de fechamento ao anterior. O contexto é mostrar que não existe a interrupção, eis o elemento de continuidade, representando assim a experiência efervescente de G.H. A obra é a busca pelo autoconhecimento, transformação e inspiração. O que é a própria existência de vida? Outra característica do livro é os fluxos de consciência - com forte teor subjetivo - , permeia em cada parágrafo da obra - uma espécie de monólogo em primeira pessoa, com elementos de filosofia e existencialismo. Ao esmagar e comer o interior branco da barata opera-se em G.H. uma espécie de revelação: conceitua um estado e aspecto epifânico, pois a personagem passa a comungar com o real e também o divino - indagando, relacionando e questionando os limites entre a racionalidade e emotividade. Em meio aos seus afazeres domésticos, o inseto a lança para fora de sua própria condição de humana. O que é o humano e o não-humano? Ora a personagem dialoga com o leitor, ora consigo mesma, concretizando a identidade própria. O amor está muito próximo do ódio, pois Clarice Lispector aproximava esses dois conceitos. Tudo de vez, tudo intensamente. Completamente desorganizada, vazia e desarrumada civilizadamente: G.H. se reconstrói moralmente. O divino e o inferno são concepções do psicológico da personagem. A incapacidade de conceber forma ao que lhe ocorreu, a aceitar este estado de perda da essência, a leva a imaginar que alguém está segurando a sua mão. Desta maneira, o leitor vivencia junto com a personagem esta experiência singular. Qual a relação da personagem com a barata? Como se fundamenta a realidade? A obra é um jorro visceral, turbilhante e ininterrupto de linguagem - vai do encontro da carne com o Deus. A criação do universo se define na construção do próprio ser humano. Deveria ser humano. Desmistificar G.H. - seria desmacarar o "Gênero Humano"? Deveria ser o livro-de-cabeceira de todo ser humano.
Os créditos desta postagem são de Cristiano Contreiras, gestor do Blog Apimentário [um reduto virtual de filmes que mistura sensibilidade, técnica e polêmica com refinamento e extrema qualidade], de onde as imagens e textos foram integralmente copiados:
18 comentários:
Oi Luiz...
Saudades de vc!
Passando para desejar um lindo fim e semana.
Desculpe... mas não li seu post, estou triste demais hoje... sem concentração para leitura.
Beijo
Sil
Luiz,
Amo ler Clarice , para mim ela continua sendo uma super escritora.
Esse livro a paixão segundo g.h.
Deve ser interessante e bom assim como todas as obras dela.E este outro também.
Essa narração aguçou minha curiosidade.Heheh.
Em se tratando de literatura só mesmo curiosa.
Mas que bom vir aqui, estava com saudades tuas.
Um beijo querido.
Fernanda.
Obrigado por publicar meus dois textos aqui, sinta-se a vontade pra selecionar materiais de filmes que postei no Apimentário, tá?
seu blog é ótimo, gosto muito de vir pra ler você.
abraço
Luis, relamente A paixão seungo G.H. é uma preciosidade.Já li este livro nem sei quantas vezes e sempre parece que é a primeira vez. um abraço
preciso ler - u r g e n t e m e n t e!
Muito bom. N deixe de ver esse video, vai apreciar http://esconderijo-do-observador.blogspot.com/2011/02/paixao-segundo-gh.html um abraço do observador.
Luiz, só nos deixaste com vontade de ler Clarice. Sempre e mais! Adorei!
Irei atrás do Via Crucis...
Um beijo carinhoso, Lú.
"A Paixão Segundo GH" é ótimo, eu também o recomendo, afinal Clarice tem que ser leitura de cabeceira...
Abraços.
Gosto muito de Clarice Lispector, adorava ler os livros dela quando adolescente.
vou te seguir!
Gostaria que conhecesse meu blog de arte obscura http://artegrotesca.blogspot.com
bjos
Clarice tem o dom de nos enredar em suas palavras e, não mais que de repente, nos vemos envolvidos, entrelaçados e não há mais volta. Clarice é sempre certeira. Nunca mais largo dela.
Estas duas obras são fantásticas!
Um abraço, Luiz.
Margot Félix
Tenho boas ligaçoes com a literatura de clarice.
seus livros foram , entre alguns outros,os que mais me despertaram para a literatura.
esses dois acima citados por voce , eu não conhecia. mas vou procurar conhecer!
abraços !
Caro Luiz Neves de Castro, voce foi indicado pela Ana Amorim para uma entrevista no meu blog chamado www.mundo-doscomentarios.blogspot.com e gostaria de saber se voce estaria interessado em participar? quais quer seja a duvida entre no meu blog no marcador teia de blog e confira.Grato Adiministrador
Ei moço, anda meio sumidinho...
Abraços.
Eu vim aqui para brindar contigo com uma "cerva" bem gelada.
Saúde, irmão!
Cuidado para não respingar no livro de Clarice, hahahaha!
Abraços.
Ainda não li esses...
São os próximos da lista, estou terminando "A cidade sitiada" e vou seguir as obras todas dela... hahaha!!
Beijinhos!!
Obrigado, por aceitar a entrevista e fico honrado de entrevista um bloggero com um blog tao cheio de cultura sobre literatura e famoso, gostaria que me passase algum meio de comunicaçao para lhe entrevistar: msn ou gmail...Grato Adiministrador
Meu querido amigo,
Que SAUDADES!! Mas como sabe não esqueci de você, assim q sair tua entrevista me dá um toque, ok?
A minha postei hoje, quer dizer, ontem rs. Passa por lá, te espero!
Parabéns pela postagem do amigo Cristiano Contreiras sobre a grande escritora Clarice, que foi uma das escritoras que me despertou para a literatura. A primeira vez que a li foi aos 17 anos, justamente o livro "A Paixão Segundo G.H." Inesquecível! Um livro que voltei outras vezes.
Adorei ainda o prazeroso e pertinente comentário sobre o livro "A Via Crucis do Corpo".
Beijos e parabéns a vc e ao Contreiras.
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