"Sem erotismo, a vida não tem a menor graça" Chico César
[...] Chico César abre o seu livro dirigindo-se a uma “Cara leitora”. Essa que, de tão múltipla, pode personificar-se em qualquer uma. Se pelo nome que nomeia cada indivíduo, o corpo pode ser roçado por palavras alheias, como se estas fossem o corpo de outro, o vocativo aí substituindo os nomes, faz de cada um o perfeito indistinto alvo da bolinagem. Na tensão em que a negação da exclusividade dá o tom do pornográfico, essa leitora inominada pode tornar-se a mulher exata a quem o poeta dirige sua língua e lápis.
Depois de determinada a “Cara leitora”, expressão ironicamente retirada das antigas novelas folhetinescas dirigidas a damas de classe entediadas, Chico César constrói um texto cuja palavra, por ser pornográfica, escorre pela boca:
com a palavra gozo na boca
deixou escorrê-la ao peito
Se fosse erótica, não seria “puta e pura poesia”. Porque neste livro, pornográfico é não só o conteúdo dos versos, mas também a própria matéria morfo-semântico-fonético-sintática da palavra.
recitar e excitar
até que esporraria
tudo em teus grandes lábios de veludo
depois ao cubo
ao cu iria
A putaria é linguística (em todos os sentidos) e vai para além (ou para dentro) da leitora, evidenciando o quanto o próprio ato da fala é um ato fálico. Uma felação não estaria muito distante de um poema lido em voz baixa. Talvez por isso, a imagem da boca esteja tão presente no decorrer do volume. Esse órgão que serve tanto ao verbo quanto ao sexo. Deste jogo, no qual a matéria textual é carregada de volúpia em si mesma, surge um livro a ser escrito – imagem que Chico brilhantemente nos dá através das pernas abertas dessa mesma leitora, onde ele pode molhar “a língua e a linguagem”, para nos fazer concluir, afinal, que também todo verso é pornográfico.
Assim, ele dedica religiosamente, página a página, um caderno de orações sacanas a essa dama inominada do outro lado do livro, estimulada por uma sucessão de palavras volumosas, carnosas, úmidas e febris dirigidas ao seu ponto G, enquanto ela deve apenas deixar-se ler e ser escrita como parte do códice lascivo elaborado pelo autor entre suas coxas:
quisera estar sob tua escrivaninha
lambendo entre tuas pernas
(...)
estar aí sem te dares conta
sem tua plena consciência nem consentimento
Chico César, esse talentoso expoente da nossa música, adentra com virilidade e potência esse novo gênero que, a despeito da relativa juventude do termo, é mais velho que o Velho Testamento, com uma edição belamente ilustrada pela artista húngara Sári Szántó e com capa criada pelo connoisseur de tipografia italiano Mattia Moretti.
Por isso, Cara Leitora, não se engane com o tamanho deste volume. Pequenos pacotes guardam enormes prazeres. E eu, alcoviteiro convidado a fazer as honrarias à iniciação do coito, desejo que a leitora penetre gentilmente nesses versos lúbricos - e cegamente. Ao ponto de não saber se penetra ou se é penetrada por eles.
Para ler o texto integralmente, acesse:
Leia a seguir - “Casta” - poema integrante do livro:
“em público castamas quando de mim
em privado se acosta
mulher de palavra
depravada
diz como se falasse ao espelho do que gosta
mais de frente
mas também de costas
diz que a saliva seca
e se faz molhada a cona
e piscante o rego
mamilos duros
que mesmo mamá-los
não lhes traz sossego
que o clitóris
grão grilo e grelo
salta ciciante entre a espuma dos lábios
e os dedos sábios
a socorrem sem medo
quando aí se acaricia
e a funda fenda inunda
como tempestade a raiar o dia”
Assista a outro vídeo correlato: [https://youtu.be/3yMMgVjFDAw]
Para saber mais sobre a obra literária de Chico César, acesse:
[chicocesar.com.br/index.php/livros]
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