Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna. (...)
O menino Antônio Gonçalves da Silva fazia repentes enquanto capinava o pasto da pequena propriedade em que trabalhava, em Assaré, Ceará. Depois, jovenzinho, já nas feiras livres do Crato, nas festas no sertão do Cariri, brilhava recitando-as em público. Foi aí que recebeu o apelido de Patativa, pela beleza musical de seus versos, semelhantes ao canto do pássaro que, como ele, era pequeno, resistente e livre.
Com as mãos calejadas do trato com a terra, dividia sua poesia entre a "clássica", feita de sonetos à Camões, e a "matuta", em que se entregava à música e ao corpo fluido da fala popular. Ali conseguia colocar o regional no plano universal e o político no plano poético, aspectos da obra de Patativa do Assaré que hoje se estudam. Ao transcrever essa parte "escrita-falada" de sua obra para o papel dos livros ou do cordel, perde-se a significação que a inflexão, a entonação, as pausas do ritmo e os gestos da linguagem corporal expressam performaticamente para muito além das formas verbais. Funciona e também tem beleza, mas não em seu esplendor, como se fotografássemos um pássaro pousado.
Por Marcílio Godoi, arquiteto e jornalista, autor do Pequeno Dicionário Ilustrado de Palavras Invenetas (Sagui, 2007) - Revista Língua Portuguesa - Edição 68
Patativa do Assaré não foi sanfoneiro, mas mereceu um programa na série O Milagre de Santa Luzia por sua importância indiscutível para a cultura nordestina e brasileira, e por ter muitos de seus poemas musicados. Triste Partida, o mais conhecido deles, é uma obra-prima, e ganhou versão musical à altura pelas mãos de Luiz Gonzaga. Já no fim da vida, Patativa declamou alguns de seus mais lindos poemas - inclusive uma belíssima homenagem ao Rei do Baião - e falou sobre sua trajetória em gravação histórica feita em Assaré, para o projeto O Brasil da Sanfona. É um importantíssimo registro do poeta, pois sua poesia tem grande parte de sua força na oralidade, e nada mais adequado do que o próprio autor para declamá-la. É de encher os olhos a analogia feita entre Triste Partida e a história do pai de Dominguinhos, que ele conta emocionado. Mestre Chicão veio ao sudeste com a família e nunca conseguiu realizar o sonho de voltar para Pernambuco, trajetória comum a milhares de nordestinos da sua geração. Um programa imperdível!
A vida e a obra do poeta Patativa do Assaré, a relevância dos seus poemas, o significado político dos seus atos e a sua imensa contribuição à cultura brasileira. Dono de um ritmo poético de musicalidade única, mestre maior da arte da versificação e com um vocabulário que vai do dialeto da língua nordestina aos clássicos da língua portuguesa, Patativa do Assaré é a síntese do saber popular versus saber erudito. Patativa do Assaré consegue, com arte e beleza, unir a denúncia social com o lirismo. Aço e rosa. Quem lê ou escuta a poesia de Patativa do Assaré pensa, emociona-se e conscientiza-se do mundo, porque na sua poesia estão presentes todas as lutas e esperanças do povo; estão reunidas palavras e ideias que se erguem com a dignidade guerreira dos justos, contra todas as formas de obscurantismos e de exploração do homem. No ano de 2001, Patativa do Assaré foi escolhido como um dos mais importantes cearenses do século XX.
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