ESCRITORES

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Cássia Eller interpreta Riachão - Um clássico sambista da Bahia

Cássia Eller, de Riachão - Vá morar com o diabo

O menino Clementino adorava brigar. Saía de uma briga e já entrava em outra e parecia não querer descanso. Um dia, um velho sábio, vendo sua disposição para tanta briga, perguntou-lhe em puro baianês: Meu filho, você por acaso é algum riachão, que ninguém consegue atravessar?”
E assim Clementino virou Riachão, que atravessou nove décadas da vida, até aqui, sem deixar de brigar um só dia. Brigou com a inspiração, quando esta demorava a chegar, para compor mais um samba; brigou pela afirmação e sucesso de suas composições, brigou contra as adversidades da vida, que não foram poucas, mas sempre brigou com um sorriso nos lábios e a providencial prontidão dos sábios guerreiros.
Brigou muitas vezes sozinho, e muitas vezes ao lado dos seus irmãos de samba Batatinha, Edil Pacheco, Ederaldo Gentil, Walmir Lima, Panela e tantos outros nomes que fizeram da boa música baiana profissão de fé e terminaram escanteados ou esquecidos pelo jogo pesado de uma mídia movida pelo jabá e pelo mau-gosto.
Cronista de sua cidade e do seu tempo, a cada fato marcante que acontecia, Riachão nos dava a notícia em forma de um novo samba. Assim foi com “O umbigão da Baleia”, “A morte do Alfaiate” “Pitada de Tabaco”e tantos mais.
Foi também o seu talento poético que pintou com tintas musicais e precisão o cenário mítico desta cidade: “ Quem chega na Praça Cairu/Olha pra cima o que é que vê?/O Elevador Lacerda sempre a subir e a descer…/ É o retrato fiel da Bahia/baiana vendendo com alegria/coisinhas gostosas de dendê – acarajé!”
Quando Caetano e Gil voltaram do exílio imposto pela ditadura militar e decidiram fazer o primeiro show para um público brasileiro cheio de saudade, decidiram lançar um manifesto daquela nova fase de suas carreiras e vidas. Foram buscar em Riachão as palavras precisas para expressar o que eles queriam comunicar em alto e bom som: “Cada macaco no seu galho/xô, xuá/eu não me canso de falar, xô, xuá/meu galho é na Bahia, xô, xuá/ o seu é em outro lugar…”
Até o pop contemporâneo veio beber nas águas desse Riachão. O último grande sucesso de Cássia Eller é crônica de um Riachão em estado puro:” Ai, meu Deus/ai meu Deus o que é que há?/A nega lá em casa não quer trabalhar…/ Ela quer me ver bem mal/ vá morar com o diabo que é imortal…”
Imortal é você, Clementino. Malandro dos bons, capoeirista dos sons e das letras, expressão da Bahia na cor, na alegria e no canto.Valente, que atravessou todos aqueles que queriam atravessar o seu caminho, e chega aos 90 anos de absoluto sucesso, sem nunca ter deixado de ser o menino Clementino.
Hoje, 2 de Dezembro, dia do Samba, mais do que nunca e mais do que todos , parabéns, Malandro!
Por Jorge Portugal em belíssimo artigo sobre esse genial sambista:

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