[...] No momento em que termino a leitura do romance de estreia de Débora Ferraz, Enquanto Deus não está olhando, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2014, sou tomado de entusiasmo diante desta revelação. Mas contenho os meus adjetivos e procuro investigar, com o máximo de rigor, quais as qualidades desta autora ainda tão jovem. Em princípio, devo destacar que não se trata apenas de um romance de texto, tão em voga no Brasil, o que leva a crítica, em geral, a grandes equívocos: trata-se de um romance de atmosfera, de densa e angustiante atmosfera, representada pela dolorosa busca de Érica, a também jovem personagem que atravessa o romance procurando o pai, que se faz presente apenas nas lembranças, de forma que se revela pelo passado e só através dele. E aí, creio, está a grande qualidade da autora, cuja protagonista está sempre caminhando, caminhando, caminhando.
A primeira frase do livro é forte, muito forte, decisiva: “O fim do mundo chegou cedo desta vez”. Sem dúvida, forte e surpreendente. Outra das louváveis qualidades de Débora — surpreender e fustigar o leitor com cenas ou frases inesperadas. Para um destes críticos chamados de rigorosos, a frase seguinte poderia conter um elemento inadequado, mas não é bem assim. Vejamos: “Subo a ladeira. A rua de paralelepípedos está deserta apesar de não passar das oito da noite, e à minha volta só as casas pequenas e imóveis, é que, vez por outra, dão qualquer sinal de vida”. Compreendo perfeitamente que, ao crítico rigoroso, poderia parecer imprecisa e óbvia a palavra “imóvel”. Mas aí a palavra não tem apenas efeito informativo. Ela carrega toda a pressão, toda a força angustiante da personagem martirizada. Não é uma palavra, é um sentimento. Mostra a imobilidade interior da personagem e seu impressionante sufocamento. Toda casa é imóvel, sem dúvida, mas sem que isso seja dito do ponto de vista da personagem, tudo o mais desaba.
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Texto de Raimundo Carrero. Para ler a resenha integralmente, acesse:
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