ESCRITORES

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Biofobia - O existencialismo bizzaro de Santiago Nazarian

Com "Biofobia" Santiago Nazarian retoma, com toda a força narrativa, os aspectos ficcionais que marcaram seus romances anteriores. E com algumas novidades.
O aprofundamento nas neuroses, nas psicoses, na solidão, no "existencialismo bizarro" que promove a desorientação social e os pequenos e grandes vícios humanos - tudo isso está lá - com o plus de uma dose generosa de ironia cáustica (sem dúvida herança benéfica de "Mastigando Humanos" e "O prédio, o tédio e o menino cego", erroneamente interpretados como “livros juvenis").
Temos, assim, uma obra de ficção enxuta, visceral, bem formatada, construída, pois, com uma consciência profissional extrema. Apesar de não compartilhar do lugar-comum crítico que aponta essa ou aquela obra de um autor como "produto de uma maturidade estética", é preciso reconhecer que dessa vez estamos diante de um livro ligeiramente mais austero. Sem dúvida Nazarian já surgiu maduro na literatura – não por acaso estreou já premiado, em 2003, com "Olívio" – porém todo e qualquer traço estilístico invariavelmente se desdobra e melhora. Amadurece, enfim. E “Biofobia” registra esse momento.
Ao contrário de André, o protagonista, que se aloja num entre temporal (a casa de campo da mãe suicida) para revisitar o passado venturoso e renegar as forças perturbadoras da natureza que lhe impõem um futuro incerto, a linguagem do novo romance inicia um processo paulatino de desligamento da antiga coloquialidade pop e inaugura a nova fase ficcional do autor. Aqui, portanto, o domínio de Nazarian sobre as características peculiares a todas as suas narrativas se solidifica e confere ao romance o ajustamento pleno entre a sua mundividência autoral e a proposta da obra criada até agora.
Alguns outros traços dos três primeiros livros – sobretudo os de "Feriado de mim mesmo" – são retomados em "Biofobia". Um deles é o jogo de verdade e mentira na personalidade do protagonista e, claro, na própria voz narrativa perspectivada (o que aproxima o leitor do personagem e o prende no puro suspense do sentido – o suspense que acontece não na ação propriamente, mas no seu significado amplo dentro do enredo, gerado pela incerteza quanto aos fatos). Um segundo traço interessante é o clima de terror estabelecido a partir do cenário: a casa na qual André se asila por um final de semana a fim de retirar os objetos da mãe, ao mesmo tempo em que se esvazia e vira palco de alucinações, crimes e cenas pitorescas, torna-se refúgio contra a “natureza cruel”, faminta, do terreno em declive sobre o qual fora construída. Essa relação dentro/fora, que só exacerba o conflito entre o Eu e o Outro, trabalhada, aliás, por Nazarian em “Olívio”, “Feriado de mim mesmo”, “Mastigando humanos” e “O prédio, o tédio e o menino cego”, em “Biofobia” traz um detalhe diferente: o protagonista não se sente, como os precedentes, nem um pouco atraído pelo mundo “de fora”. E quem se atreve a invadir o seu interior é imediatamente ceifado.
Vale ainda citar as referências cômicas inseridas aqui e ali na narrativa – a maioria inspirada em obras e figuras da literatura, embora o protagonista seja músico e nada adepto a leituras. A cena em que ele e seu amigo dão combustão à lareira com livros (e nessa leva vai a Revista Granta, famosa no meio acadêmico, e até “Feriado de mim mesmo”) é hilária. Só perde em comicidade para a interseção de uma fala conhecida de Clarice Lispector, retirada de uma entrevista para a TV, com a da mãe do protagonista, também escritora famosa e convidada de um programa de entrevista.
Em suma, “Biofobia” não só marca o retorno de Santiago Nazarian à narrativa “adulta”, após cinco anos, como também evidencia a reconfiguração estética de um jovem (ou não mais tão jovem) escritor que, ao apresentar a crise existencial e profissional de um roqueiro quase quarentão e decadente, passa ao largo de qualquer possível conflito: traz a lume um romance extraordinário e de quebra cala a boca (e os dedos) dos que não creem em seu potencial artístico.
Por Rodrigo Lopes da Fonte, em texto reproduzido do blog do autor.




Para saber mais sobre o autor e sua obra, acesse:
[santiagonazarian.blogspot.com.br/p/obra.html]

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