Será a balzaquiana? —
cujo rosto já denota certa materialidade do tempo; com seus olhos azul-topázio,
de gestos mansos, meiga e manhosa; de pele alvinha e sem manchas, mamilos
cor-de-rosa, fera selvagem quando está comigo na cama; assemelha-se demais aos
felinos com sua sexualidade agressiva e seu caminhar sigiloso de gata vadia.
Ou será aquela com
avidez de ventre capaz de saciar uma cidade inteira? — fêmea sempre no cio; de
andar bamboleante, irrequieta nos quadris e na alma; muito chegada a forró e
samba de roda; encantam-me o rebolado e suas curvas negras e carnudas;
enlouquece quando escuta: “quero morrer numa batucada de bamba, na cadência
bonita do samba”, seu corpo se contorce com requebros que me deixam em
descontrole apalpando, acariciando, beijando, gozando em sua carne íntima
suada; e aí ela fala, ela canta, ela grita, ela fode, ela goza rebolando a
bunda de negra modal e eu sinto na pele o volume macio de seus seios e de seu
corpo inteiro nu em descanso.
Será a ninfeta à
Nabokov? — o pomo do desejo ainda em penugem; em público casta, ensimesmada; em
privado consegue dissimular muito bem o contrário daquilo que aparenta; de
palavra depravada, mãos exímias de dedos sábios e
errantes adentrando meu corpo atrás, na frente, em cima, embaixo, entre, dedos
que não brocham; exímia mais ainda com a boca, esse órgão que serve à vida, ao
verbo e ao sexo; tem um jeito especial de me beijar o sexo que deixa o mundo
rodando, e tudo vai ficando solto, convulso, desconexo.
Ou será aquele rapaz obsceno com seu falo libidinoso, sua vitalidade anárquica e sua força compulsiva para a devassidão?
As três sempre chegam
juntas e, com discreta elegância, sentam numa mesa circular formando entre si
um triângulo equilátero; noite dessa, ouvi um fragmento de conversa íntima das
três; a primeira, com olhar fixo na terceira: esse amor convencional vivido por
você que levou ao casamento, filhos e ao tédio é decadente, subdesenvolvido; a
segunda completou: meu amor, a vida para ser plena precisa ser múltipla, multifacetada;
a terceira encarando ambas: vocês fazem ideia do quanto sofri de agressões
físicas e psicológicas que só tiveram fim quando ele foi embora ao descobrir
que eu nutria vida extraconjugal com outras duas mulheres?
Oito da manhã de domingo, deixo o bordel, entro na igreja matriz, faço uma oração
reflexiva sobre a vida; beatas ajoelhadas adoram deuses nus esculpidos pelo
homem. Retorno ao bar do Bira para a última rodada, tragar
inflorescências femininas de cânhamo ou uma viagem lisérgica. A vida do porto,
as ruas, a cidade ainda dormem, exceto a inquietude do bar do Bira, onde a
noite nunca tem fim. No interior do bar, olhos vermelhos vararam a madrugada,
não arredam, espreitam acesos os primeiros movimentos da manhã. Na mesa oito,
um malandro mediúnico se arrepia, capta minha presença torpe, sente meu perfume
de sândalo misturado com chope, odor delicado de boceta limpa em dia de mormaço
quente. Em transe místico, observo as outras mesas. Numa delas: adolescentes
andróginos, dândis, lésbicas e afins; noutra: Aretino, Sade, ninfetas
pervertidas e querubins; noutra: ianomâmis masturbam mulheres magras sedentas;
noutra: Safo de Lesbos lambe a vulva de uma virgem-prostituta santa e sinistra;
as visões libertinas recrudescem quando avisto um painel imaginário que recobre
a parede do fundo com a imagem de Jesus, Maria Madalena e os apóstolos numa
Santa Ceia profana.
Meca da boemia, nesta hora da manhã o bar do Bira
é puro delírio, covil da vadiagem que reúne uma horda de boêmios notívagos,
intelectuais, artistas, navegantes e um gato vadio que, quando me vê, se
espreguiça para receber afeto; acolhe músicos e cantores dos cabarés, gente da
polícia, padres e pastores à paisana; aloja ladinos, loucos e exploradores de
mulheres; mistura vendedores de haxixe e uma leva diversificada de malandros
insones e mulheres livres que zanzam batalhando na noite.
Bebo a oitava saideira,
saio com passos incertos, ando no leito de paralelepípedos cambaleando; não sei
se sou eu que observo a rua ou se é a rua que me olha; preso nessa espécie de
reticência do tempo, na minha mente reverberam versos de Zé Ramalho: “há meros
devaneios tolos a me torturar”, “e isso explica por que o sexo é assunto
popular”.
Possuído pelo imponderável das paixões mundanas, vagueio por mundos insondáveis, corto de fininho o ramo hiperbólico que contorna o cais, sinto no rosto a brisa casta da manhã e rumo para casa à espera de que o próximo sábado aconteça.
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